domingo, 26 de junho de 2011

O RAPTO

4 – O ENCONTRO

A decisão, na realidade a única decisão que fora capaz de tomar desde que saíra da Polícia e de casa, não fora um caminho de ruptura. Nada fora fácil, em tudo errara ou desistira. O caminho não o fez, retomou-o ainda que com algumas cambiantes. O vírus estava lá, todas as suas qualidades e defeitos se mantiveram. António Pedro voltara ao rebanho.
E de tal modo que, quando a Administração do condomínio, lhe sugerira, a conveniência de colocar na placa de entrada do edifício, o nome e a actividade, decidiu indicar, simplesmente, o que sempre fora:

António P. Castro – Investigador

Demorou algum tempo a arrumar as estantes com os livros que lhe interessavam, contou à ex-mulher e alguns amigos o que tinha decidido fazer e ficou esperando o seu primeiro cliente”.
Naquele dia, o telefone interno tocou e do outro lado a recepcionista perguntou:
- Tenho aqui à entrada uma senhora que lhe pretende falar. Não tem contudo hora marcada e não existe registo de chamada prévia. O Senhor Doutor pode recebê-la?
Hesitou, algum caso de divórcio quase de certeza, o que não me agrada mesmo nada. Mas mesmo com essa dúvida e com a secreta esperança de encontrar um caso interessante, optou por responder, sim.
- Pode subir ao 5º. Andar letra C, o Doutor António Pedro, espera-a minha senhora, informou a recepcionista.
António Pedro retomou o seu hábito, ajeitou o nó da gravata, vestiu o casaco, mirou-se ao espelho e gostou de se ver, e abriu a porta de acesso ao gabinete.
A mulher que entrou era atraente, alta, cabelo negro, como os olhos, elegantemente vestida, e não passaria despercebida em qualquer lugar. Andaria na casa dos trinta e cinco anos. Ajudou-a a tirar o casaco, que colocou dobrado nas costas de uma cadeira, puxou de uma poltrona de braços, colocada em frente da secretária e convidou-a a sentar-se.
- Então, em que lhe posso ser útil, perguntou?
- O Doutor desculpe ter vindo sem marcação, mas o seu nome foi-me sugerido pelo Inspector Marques da PJ, como sendo a pessoa certa para me ajudar.
O meu nome é Maria Clara Figueiredo de Meneses, e estou muito preocupada com o desaparecimento da minha filha de 12 anos. E por isso aqui estou, para contratar os seus serviços, quero encontrar a minha filha.
António Pedro sentiu alguma frustração. Depositara esperanças num processo apelativo, e afinal era, apenas, um caso de desaparecimento de uma menor. Com aquela idade o costume era de fuga com o namorado ou o receio de comunicar algo que a embaraçasse, fosse sobre o aproveitamento escolar ou algum problema típico duma adolescente. Por momentos pensou recusar. Mas qualquer coisa no olhar da mulher sentada na sua frente fê-lo estremecer e tomou a decisão de continuar. Aqueles olhos negros, profundos, desvendaram-lhe a alma. Ele sentiu que o iriam fazer esquecer o passado recente.

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