segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

RELÂMPAGOS

Até eu me sinto cansado e desagradado com o que escrevo. Reconheço que tenho de mudar, só não sei como. E de repente, um relâmpago inesperado, levou-me muito longe, tantos anos atrás que nem quero contar. E deu-me o que escrever.
Lembrou-me um jovem sonhador, que guardava as estrelas que admirava nas noites de lua nova, e ficava fascinado com as luzes e com o mistério do universo, mas que acabara por esquecer os sonhos.
Também guardara as histórias que inventara, dos castelos que no seu subconsciente, conquistara.
Espero, digo eu, que as quimeras o tenham acompanhado pela vida fora e que a realidade nunca as tenha destruído.
Esta é a história que vos quero contar:
Esse jovem, teria aí uns catorze anos de idade e numa aula Português, alheado como sempre do que a Professora lhe ensinava foi mais uma vez, repreendido e castigado. A repreensão foi o que mais lhe custou, envergonhado como era, o sorriso das raparigas feria o seu ego.
O castigo poderia nem ser o mais complicado. Ler em voz alta páginas de um livro, era-lhe fácil, provavelmente até as conheceria de cor; falar sobre o texto também não temia, sabia que tinha um certo jeito para interpretar as frases; agora um exercício de gramática, isso já era mais complicado.
Mas afinal, o castigo que a Professora lhe destinou foi a redacção de um texto, sobre um assunto à sua escolha, mas que teria de ter um mínimo de duas páginas. E fixou o prazo do fim de semana para o apresentar, pois se o não fizesse, iria chamar a Mãe dizendo-lhe do seu mau comportamento durante as aulas.
Pobre Mãe, já tinha sido chamada tantas vezes e ouvido as queixas do costume:”Que o aluno passava as aulas sem prestar atenção, andava permanentemente nas nuvens, quando interrogado sobre a matéria dada, arranjava sempre maneira de responder, mas não respeitava, exactamente, a pergunta. A senhora tem que o castigar, pois na disciplina de Francês as coisas são ainda piores. Os trabalhos de casa ficam por fazer e ele desculpa-se dizendo que já sabe tudo. Tenho muita pena pela Senhora mas assim ele não vai conseguir passar de ano.”
Desta vez, o aluno distraído, decidiu evitar o risco de uma reprimenda e assim poupar à Mãe, pelo menos, uma hora de caminhada. Ele bem sabia que ela nunca fizera outra coisa, que não fosse correr pela vida a trabalhar.
Vou escrever o texto, decidiu. Nessa noite, sentado à luz do candeeiro a petróleo, cuja luz tremia com o vento, pegou no caderno e na caneta, mas não conseguiu escrever nada. Foi dormir, não sem antes ler mais umas páginas do livro, que trazia disfarçado, junto do caderno diário.
No dia seguinte, uma tempestade de fim de verão, iluminou o céu com a luz dos relâmpagos, anunciando com som dos trovões a chegada da chuva que se desprendeu com força, das nuvens escuras e ameaçadoras. Mas, perto do meio-dia, a tempestade amainou e o sol surgiu em todo o seu esplendor.
Pegou no caderno, sentou-se numa parede da rua e, ouvindo o canto dos pássaros, a melodia da água que corria alegremente pelos regatos, sentindo o respirar da terra sedenta o vendo o desabrochar das flores, escreveu. Não as duas páginas obrigatórias, mas todas as que foi capaz de encher, solto dos grilhões e deixando-se guiar pelas sensações, que a natureza lhe tinha inspirado. Pôs no texto a sua sensibilidade e libertou as palavras guardadas. Ficou exausto, mas sereno como o pôr do sol daquele dia.
O texto foi elogiado pela Professora, que aliás guardou para fazer parte do concurso que a Escola estava a promover.
O jovem não recebeu, por mero acaso, o Nobel.
Mas o adulto em que se tornou, nunca mais foi capaz de escrever, com a força a naturalidade e a poesia, com que o fizera, tantos anos atrás.

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