domingo, 20 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X





Último Episódio

O gabinete estava frio e sombrio. Tão sombrio quanto o seu único ocupante, Vítor Monteiro, Inspector com uma assinalável folha de serviços, apontado como exemplo aos mais novos e que sentia aproximar o fim da linha. Não pela idade, passava alguns anos a meia centena, mas porque não era capaz de conviver com o fracasso. E era insucesso o que ele temia.
O Figueiredo e o Frederico ainda não tinham chegado mas, mesmo sem ter ouvido o que teriam a dizer da última diligência, ele sentia, quase sabia, que não tinha condições para continuar a fazer o que sempre gostara de fazer. Investigar, tinha sido a sua vida, habituara-se ao êxito e convivera muito mal com o erro e com as falhas.
Agora, tendo o discernimento suficiente para reconhecer que a investigação sobre os três crimes em série, que causaram algum receio, estaria num beco sem saída, do qual ele se considerava pessoalmente, responsável, por mais que isso lhe fosse doloroso, tinha chegado a hora de dizer adeus. Este seria o seu último caso.
Preparou uma exposição para entregar ao Director Geral.
No documento salientava:
1 – O receio que os três crimes, na forma como foram cometidos e o ritual seguido fosse interpretado como assassínios em série;
2 – Esse foi o sentido que a equipa de investigação decidiu não seguir;
3 – A experiência e as informações fidedignas que íamos recebendo, afastaram a hipótese dos crimes terem sido cometidos por conflito de interesses entre bandos rivais. Nada havia que o justificasse;
4 – Por outro lado, a violência dos crimes levou-nos a pensar que o móbil dos crimes só podia ser um acto de vingança;
5 – Foi este o caminho que escolhemos. Percebemos que, a vingança teria sido cuidadosamente planeada por pessoa ou pessoas que se considerassem vítimas directas ou indirectas, e terão decidido fazer justiça, pelas próprias mãos. Aliás, a raiva com que terão executado as vítimas, era disso um sinal inequívoco;
6 - Os executores agiram friamente, os crimes foram calculados com rigor, as marcas e a mensagem que deixaram junto aos corpos, tinha um efeito simbólico: a concretização de um acto de justiça;
7 – Os investigadores trabalharam a hipótese mais plausível e apontaram dois eventuais suspeitos. Tinham o móbil e capacidade para planearem o acto, mas não foi possível encontrar uma prova que não fosse, meramente, circunstancial;
8 – E foi na procura do nexo de casualidade com um dos suspeitos, que a sua ligação aos os dois primeiros crimes, se revelou inconsistente, deitando por terra a nossa suspeita;
9 – Mantendo, contudo, a convicção de que os crimes sob investigação teriam sido um acto de vingança, a indiciação referida no parágrafo 7, não se deverá manter.
Nestes termos, proponho que a investigação seja suspensa até à obtenção de melhor prova.
Custou-lhe escrever a conclusão. O fracasso era evidente, as palavras queimavam como uma ferida.
Olhava o relatório, revia o que tinha escrito e estava tão absorto que nem dera pela chegada dos amigos já se encontravam na sala.
Ouviu um leve pigarrear, levantou o olhar fixando-o nos colegas, e com voz trémula, disse:
- Eu vejo no vosso rosto a desilusão, mas já esperava. Ontem há noite tive a rever os dados sobre os crimes do X, como vocês lhe chamaram, e dei-me conta que cometera um erro de principiante. E já se deram conta disso não é verdade?
- Pois é Chefe, só quando nos preparamos para sair é que o Frederico comparou os nomes dos primeiros mortos, encontrados na outra margem, com os acusados e condenados raptores do Hugo Figueira. E o erro aconteceu porque a primeira vítima foi identificada como José Maria Costa e um dos assaltantes chama-se José Mário Costa.
Está vivo, cumpriu pena de prisão, arranjou trabalho como motorista de táxi e mudou de vida. Estivemos com ele, disse nunca ter sido ameaçado, nunca tinha visto o Hugo Figueira ou tivesse sido ameaçado. Do antigo companheiro, alguém lhe comentara que o mesmo tinha saído da prisão e voltado para o Brasil.
Fomos á Prisão de Pinheiro da Cruz à procura do Valdemiro Catulo, cuja pena estaria prestes a terminar. Debalde o procuramos, pois aproveitando uma saída precária, não mais regressou.
As Autoridades não nos confirmaram o registo de saída do País do cidadão indicado. Não se considerou estranho, como a mesma fonte confirmou, também não havia registo da entrada, de um cidadão brasileiro com aquele nome.
E pronto, concluiu Figueiredo, ou o Hugo e a Madalena são ainda mais espertos do que pensávamos ou volta tudo à estaca zero.
O Inspector estendeu-lhes o relatório. Isto é o que amanhã, entregarei pessoalmente ao nosso Director Geral.
Eu assumo toda a responsabilidade pelo insucesso. Para vocês desejo o futuro que bem merecem.
Adeus e obrigado.

Algum tempo depois

Vítor Monteiro, refeito do choque que sentira ao abandonar a Polícia, estava a tentar recomeçar a sua vida, tudo fazendo para esquecer o seu último caso,”Os Crimes do X”. Porém, numa tarde de sábado, recebeu uma chamada que não esperava.
Do outro lado, uma voz de mulher, queixou-se que ainda estava à espera do convite para jantar. Ou já se esqueceu?
Reconheceu a voz, não se esquecera disse, e gostava de a ver, mas não sei que nome lhe dar, Mariana ou Luciana?
A mulher riu e sugeriu:
- Venha hoje jantar e já agora o meu nome Clara.
Depois, quem sabe, talvez sinta curiosidade em ouvir, o resto da história que nos aproximou.

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