segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

À BEIRA DO ABISMO




Encruzilhada
Era o amanhecer dum dia que se anunciava solarengo, algo ventoso e anda com algum frio. Afinal era o final do Inverno e as andorinhas tinham começado a voltar.
Um carro parou no largo do Cabo da Roca, o motor foi desligado e as luzes apagadas. O condutor esteve algum tempo imóvel, como se hesitasse o que fazer, depois abriu a porta e começou a percorrer o carreiro que o levara para as imediações do Farol.
O andar era lento, por vezes até cambaleante. Tropeçando aqui e ali numa pedra deslocada, caiu mas levantou-se num instante e retomou o caminho.
Andando, cada vez mais descontrolado, parou longe do Farol, num pequeno promontório. Sentou-se no chão sentia as pernas penduradas no vazio. Ouvia o bater das ondas nas escarpas rochosas, ameaçando subir e engolir os obstáculos.
O barulho era forte, o vento soprava ampliando o ruído das ondas, na sua porfiada investida contra as rochas.
O desconhecido continuava imóvel, alheado de tudo o que o rodeava. Olhava o mar mas ouvia apenas a tempestade que sentia na cabeça. Ele tinha um propósito, sabia o que queria fazer, o que o levara ali, mas estava perante uma encruzilhada. Passaram horas, o sol despontou o mar recuou e o vendaval que o desconhecido sentira dominar-lhe os sentidos, também lhe deu tréguas. E à medida que o sol nascente lhe aquecia o coração, a luz do dia lhe mostrava o azul do mar, o verde das plantas, os voos das gaivotas e o chilrear dos pardais, viu um malmequer a abrir, e também ele despertou para a vida. A coragem foi desaparecendo.
Estivera à beira do abismo, o caminho que escolhera para sepultar as suas mágoas e as suas desilusões. Faltara-lhe a coragem para o salto.
Regressou ao carro, ligou o motor, arrancou pela estrada semeada de curvas e regressou a casa.
Ao abrir a porta, voltou a sentir a angústia que o tinha levado à beira do abismo. Era uma casa vazia de vida, uma prisão da qual quisera sair, para não mais voltar. Deitou-se na cama e olhando o tecto, como se estivesse frente ao ecrã de uma televisão, assistindo ao desenrolar do filme, do seu passado.

(Continua)

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