segunda-feira, 30 de maio de 2011

O EXECUTOR

29 – ÚLTIMO TANGO

Em Londres Pedro queria dar vida a uma personagem adormecida. Tudo iria ser meticulosamente estudado para que a sua estadia na grande cidade, passasse despercebida das autoridades e da legião de agências, mais ou menos suspeitas, que tinham a sua base em Londres.
Tinha decidido que era tempo de mudar. Já não sentia os apelos da aventura e a adrenalina das situações perigosas. Pagara um preço muito alto pelos anos que vivera de forma tão intensa.
Conhecera muitas histórias de extorsão, muita corrupção, muitas operações de branqueamentos de capitais, muitos crimes ligados a negócios com o tráfego de droga e de armas. Em algumas dessas histórias, ele fora o actor principal.
Era certo que ganhara muito dinheiro, conhecera muitos criminosos enriquecidos, que apareciam perante a Sociedade, como cidadãos acima de qualquer suspeita. E se isso funcionava como um seguro era ao mesmo tempo, um risco. Um dia, mais tarde ou mais cedo, alguém decidiria que ele sabia demais e, nessa altura Pedro iria encontrar o seu executor.
Por isso se embriagara na volúpia dos dias de perigo, escolhera viver só.
Até que num dia, um pequeno momento mudara a sua vida. O coração dominara os outros sentidos e quase sem dar por isso, sentira a magia do amor.
Esse dia fora o primeiro dia. Apaixonara-se e tudo o mais ficara esquecido.
Tudo o que a experiência se lhe ensinara, tudo o que o bom senso aconselhava, ficara refém dum olhos negros, dum olhar terno e transbordante de luz. Deu-se e recebeu, tudo fora partilha. E a mulher que lhe trouxera o sol, num triste fim de tarde partiu, dando-lhe a dádiva suprema, a vida.
Pudera ele ter voltado alguns anos atrás e o caminho teria sido outro. Mas este fora o seu fado, o seu destino, a sua sina.
Despertou para a realidade quando o avião tocou a pista. Tomou um táxi que o levou ao pequeno apartamento que tinha em Londres, longe do centro e na quietude de um subúrbio. Era um refúgio, talvez o último.
Resolveu sair, andar pelas ruas sempre atento a qualquer momento estranho. Passou pela estação de correios, onde alugara uma caixa postal. Tinha tanta correspondência acumulada que teve de recorrer a um saco de supermercado para recolher e transportar o amontoado de cartas. Voltou a casa, despejou o saco em cima da cama para poder seleccionar o que lhe poderia interessar.
Deu uma vista de olhos pela correspondência do Banco, oferecendo serviços enquanto acompanhava o envio do extracto da conta. Tinha também inúmeras ofertas de agências de viagens propondo férias em lugares para paradisíacos e mais publicidade sem interesse. Rasgou tudo. Para o final deixara três cartas, sem remetente.
Decidiu que também as iria destruir mas, no último instante, parou e experimentou abrir uma delas. Continha uma pequena mensagem escrita em letras distorcidas dizendo: “Obrigado pelo tango que não esqueci.”
A segunda tinha uma fotografia igual à que ele já tinha recebido via internet, com uma mulher e alguns homens sentados, numa esplanada à beira praia.
A última, um postal turístico, que já sabia ser de Mar de Prata.
Alguém o provocava. Seria “Anne” ou “Jezabel”?
Fez por esquecer, organizou a sua vida, publicando um anúncio no Financial Times oferendo serviços de consultadoria financeira. Era uma actividade que poderia seguir desde que soubesse escolher os clientes.
Alugou um escritório num prédio enorme junto da City. O nome do placard indicava, apenas, “Middle East Financial Advisor”.
Instalou-se naquele espaço préviamente equipado.
Começara tudo de novo, e queria ser diferente. Recebeu algumas consultas, fez recolha de informação, elaborou alguns relatórios e esse trabalho ocupava-lhe o tempo.
Pouco a pouco havia esquecido as três cartas que guardara no fundo da gaveta da nova secretária. Voltou a pensar nelas quando, procurando algo que não encontrava, abriu a gaveta, notou que a mesma tinha sido remexida e que alguém levara as cartas. Só as cartas, mais nada faltava. E fora no novo escritório sinal que alguém o havia localizado.
Foi uma surpresa, afinal aquelas pistas seriam importantes para outrem, que se dera ao trabalho de localizar e assaltar o seu escritório, apenas para levar as cartas.
A campainha soou dentro de si. Não se livrara do seu perseguidor e nem sabia quem ele era. Era um desafio, e ele queria responder. Nada tinha a perder.
Em conversa com o Administrador e de forma casual, disse-lhe que iria fazer um trabalho no Dubai. Estaria fora um mês.
Na primeira oportunidade, levou a bagagem para o escritório, pediu na recepção um táxi para o Aeroporto de Gatwick onde desceu, deu uma volta e voltou a sair para apanhar o Express para Heathrow, destino Lisboa.
O plano era voar para o Brasil, Belo Horizonte, via Rio de Janeiro, mas o seu destino era Mar de Prata na Argentina.
Qualquer coisa lhe dizia que alguém precisava de ajuda. Anne, claro, a referência ao tango era um segredo dos dois.

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