quarta-feira, 27 de julho de 2011

O RAPTO

28 – A VERDADE E A MENTIRA

A história é esta, prestem atenção:
A Doutora Maria Clara, médica, jovem viúva, com uma filha adolescente, em qualquer momento, que não sei quando foi nem é importante, envolveu-se numa relação amorosa com o meu ex-colega Artur Mateus; Ele era um homem simpático, atraente mas também sério e competente. Sofria duma doença terrível, o vício do jogo. Como acontece, quase sempre, quanto mais se perde num dia, mas se aposta para recuperar, perde-se de novo, e o ciclo não tem outro fim que não seja, a perda de tudo, até da vida.
O único bem que ele tinha, realmente importante, era uma família estruturada, mulher e dois filhos que, foram forçados a sair de casa como forma de fugirem ao inferno, em que o vício do jogo transformara aquele lar. Partiram, e levaram com eles, os únicos elos que Artur, ainda conseguia manter com a vida real.
Maria Clara estremeceu e manteve o silêncio.
- Não me custa a admitir, que ele se tivesse apaixonado por si, não é fácil resistir quando a Doutora usa o seu poder de sedução.
Mas, empurrado pela necessidade de arranjar dinheiro, vendeu-se a um grupo de traficantes de heroína, que tinha expandido a sua actividade para este País. Deu informações, protecção e começou a exercer pressão para ser parte mais activa no negócio e aumentar os seus proveitos. Quando o fez assinou a sua sentença de morte, já que mais tarde ou mais cedo eles iriam eliminar uma situação, potencialmente perigosa.
A necessidade de dinheiro era cada vez mais premente. Ele e a Doutora combinaram uma estratégia para o ir buscar, a quem o tinha, a Carolina, mas colocado num fundo, que seu Avô controlava.
A Doutora aceitou simular uma relação íntima com o homem que nem conhecia para poder aparecer como vítima de chantagem. Para isso posou para fotografias onde aparecia desnudada, num quarto de hotel, em posições sexuais, bem explícitas.
Maria Clara levantou os olhos como se implorasse compaixão.
- Não olhe para mim dessa maneira, a senhora sabe que é verdade. Combinou com o seu amante deixar-se seduzir por um indivíduo profissional, tendo pago do seu bolso, vinte mil euros por algumas dessas fotografias. Desse dinheiro o seu amante recebeu dezanove mil, o resto foi para o actor.
Não me diga que não sabia?
O seu parceiro de hotel, pressentiu que poderia arranjar mais dinheiro. Foi a sua casa, levou mais umas fotografias e pediu mais dinheiro. A senhora não estava e o envelope foi entregue à sua filha.
A Doutora aproveitou aquela oportunidade e aumentou o valor da chantagem para cinquenta mil. Foi a mim que contou mais essa mentira. Quando me falou neste pedido, isso só serviu para confirmar as minhas suspeitas. É que sabe, nessa eu já sabia, que o pedido tinha sido de apenas cinco mil euros.
Tentou, mais uma vez pedir a ajuda do seu Pai, mas ele ficou surdo ao seu drama.
Era preciso outro plano. E não hesitaram em utilizar uma jovem inocente, a sua filha, simulando um rapto, e forjando um pedido de resgate de centenas de milhares de euros a que para lhe dar mais autenticidade, juntaram umas fotos de Carolina. Estavam convencidos que para salvar a neta o Avô faria tudo. Mas você receava seu Pai. Era preciso encontrar alguém credível que pudesse conduzir a obtenção do dinheiro. E encontraram, fui eu o escolhido.
A Doutora, nunca esteve na PJ a comunicar o desaparecimento da sua filha! Veio a minha casa indicada pelo seu amante. Ele conhecia a minha recente separação e alguma atracção por mulheres bonitas e insinuantes. Aproveitaram a minha fraqueza para me conduzirem no vosso caminho.
Mas há sempre imponderáveis. Eu era e sou demasiado crédulo mas não totalmente ingénuo. Sabe, quando eu tive a certeza de que o rapto tinha sido simulado? Quando me deu o pedido de resgate, com as fotografias da sua filha. O sorriso inocente de Carolina, e um pedaço de um quadro na parede do apartamento onde tiraram as fotografias, denunciou-me o vosso plano. Carolina não estava raptada, mas de livre vontade no apartamento de Artur, e eu reconheci o pedaço do quadro que inadvertidamente fotografaram.
Porém o inesperado aconteceu. Os traficantes andavam a seguir Artur, esperando uma oportunidade para se verem livres dele. Mas não podiam, simplesmente matá-lo, pois receavam que houvesse mais gente envolvida ou que ele tivesse guardado informação. Para terem a certeza, precisavam de o convencer a confessar. E para esta gente, isso é sinónimo de tortura.
Conseguiram localizar o apartamento, e prepararam o rapto. Artur percebeu o perigo e tentou por mais de uma vez, contactar comigo, para pedir a ajuda. Mas eu não recebi os pedidos, pois tinha desligado o som do meu telemóvel.
- Enquanto isto se passava, onde estava a Mãe preocupada? Eu digo-lhe, estava a jantar num restaurante japonês, seduzindo este homem que está aqui, na sua frente. Eu também me sinto culpado, deixei-me inebriar e não quis ver o que na altura devia ter visto. A culpa também a carrego.
Interrompeu, sentira um cansaço que minuto a minuto lhe ia consumindo a energia. Levantou-se e saiu da sala. Procurou a casa de banho e deixou que a água fria aliviasse o fogo que lhe queimava a cabeça. Olhou-se no espelho e estremeceu. Envelhecido, olhos inchados, cabelo desgrenhado, barba por fazer e acima de tudo um esgar de dor. Mas tinha que acabar, agora não podia parar.
Ouviu o telemóvel, era o Carlos a perguntar se podiam ir com Carolina. Doutor António, penso que a devemos levar. Ela está muito perturbada, não chora não fala apenas se agarra à minha Mãe.
- Sim venham para o escritório, subam ao sétimo piso, nós estaremos na sala 2.
Recuperou um pouco da quebra por que passara e voltou para a sala de reuniões. Ansiedade, resignação, culpa, vergonha e uma réstia de esperança, eram sentimentos que António leu no rosto dos presentes. Imóveis, tensos como alguém que aguarda ouvir ler a sentença.
Apenas falta beber o resto do cálice, disse em voz apagada:
- Os traficantes perseguiam Artur, conseguiram a sua localização e pela calada da noite consumaram o rapto, mas viram-se numa situação que não previram. A presença de Carolina. Ela vira-os, também teria de desaparecer.
Mas no meio da desgraça tivemos um raio de sorte. Um amigo e colaborador também estava de vigília ao mesmo apartamento. Assistiu ao transporte do Artur e da Carolina, reconheceu alguns dos raptores e tomou nota das matrículas das viaturas. Nós acreditávamos que o refúgio do bando era em Vilamoura. Assim era, e num barco de recreio. Assaltamos o barco, libertamos a Carolina e encontramos o corpo de Artur morto e desfigurado pela tortura. E nem quero imaginar a dor e o terror com que Carolina assistiu a tudo.
Maria Clara deu um grito lancinante e pediu chorando copiosamente:
-Pare por favor, não me conte mais nada, tenha pena de mim. Quero ver a minha pobre filha! Depois de cabeça baixa confessou:
- Tudo o que o senhor disse é verdade. É horrível, mas foi assim. O que fiz foi para salvar o Artur, por quem estava apaixonada. As paixões cegam e só eu sei quanto me arrependi. Deixei avolumar os problemas, sentia que caminhávamos para o abismo, mas nunca tive coragem de lhe contar a verdade. O Artur era amigo de Carolina, que também gostava dele.
No desespero e para salvar a vida do homem que amava aceitei a farsa do rapto. Eu sabia que Carolina estava feliz e segura.
Que pena, foi isso que lhe disse a si quando jantámos naquele malfadado sábado.
E é verdade, perdera a oportunidade de contar tudo e pedir ajuda. Não sei se alguma vez poderei perdoar-me. Mas também eu me deixei fascinar.
Pode pensar, o que eu acabei de dizer, não serve para nada. Mas eu tinha de o fazer, porque naquele momento, naquele jantar eu estive bem perto, de lhe abrir o coração. Desgraçadamente, optei por mais uma vez, esconder. Nessa noite, já não vi Artur nem Carolina e admiti a tragédia. Procurei morrer, tentei mas para minha vergonha, não consegui.
A porta da sala abriu-se, Carlos e o Pai entraram e atrás Dona Elvira levando Carolina pela mão.
- A história acaba assim. Artur pagou o preço, ele sabia o que arriscava.
Mas para a vítima inocente, Carolina, fica uma ferida que vai demorar a sarar. Espero que ela vos possa perdoar. Levantou-se, deu a mão a Carolina e aparando-a entregou-a à família. Ela olhou para os amigos que deixara, hesitou e refugiou-se dos braços da Avó. Fizera a sua escolha.

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