segunda-feira, 18 de julho de 2011

O RAPTO

21 – A MULHER

Parou o carro longe da morada. Era uma rua de moradias de um e de outro lado, separadas por pequenos espaços ajardinados. Eram muito semelhantes, os construtores tinham lido pela mesma cartilha, eram casas de um bairro da classe alta e poucas alterações tinham sofrido ao longo do tempo.
Caminhou com um andar propositadamente lento. Seguia atento a carros estacionados junto ao passeio e ao mesmo tempo a veículos a circular com demasiada lentidão. Enquanto se aproximava sentia que caminhava para uma teia, que o podia envolver, mas que lhe trazia sensações de desejo e aventura.
Apesar das dúvidas sobre o comportamento de Maria Clara ela era como um íman que o atraía e do qual, não podia ou não se queria libertar.
Maria Clara devia ter assistido ao seu trajecto porque mal subiu os dois ou três degraus da entrada já a porta se lhe abrira. Maria Clara nada disse, apenas os olhos lhe sorriram enquanto se acomodavam num recanto acolhedor da sala, um lugar mais intimista iluminado por luzes indirectas.
Maria Clara sentou-se no sofá, e sem dizer uma palavra estendeu-lhe o anunciado envelope.
António Pedro recebeu mas não o abriu. Preferiu fixar o olhar no rosto de Maria Clara. Apesar da luz ou talvez por isso mesmo, pareceu-lhe que a expressão não traduzia o momento. Continuava uma mulher bonita e cuidada apesar do adiantado da hora, isso ele vira. Seria sempre assim ou ela ter-se-ia preparado para a entrevista?
António percebeu que se pretendia analisar com frieza a situação que ali o levava, tinham que afastar os olhos da mulher que o seduzia.
Finalmente abriu o envelope. Fê-lo sem emoção ou surpresa, o que ali estivesse escrito pouco adiantaria à tese que pouco a pouco ia ganhando contornos mais nítidos. Dentro retirou duas fotografias de Carolina, e uma folha de papel de fotocópia, onde escrito com letras recortadas de jornais, não identificáveis, coladas na folha de papel, vinha a nota do resgate.

PREPARA 500 000 E
QUARENTA E OITO HORAS PARA PREPARAR PAGAMENTO
ALGUEM DARA INSTRUÇÕES
POLÍCIA NEM PENSES
UMA FALHA… DIZ ADEUS A TUA FILHA


Nem um músculo se mexeu, pôs de lado o pedido de resgate e concentrou-se nas fotografias de Carolina. Esteve a olhar para uma e para outra, franziu o sobrolho e evitando olhar a mulher sentada na sua frente, perguntou em voz dorida:
- Dr.ª Maria Clara a senhora viu bem as fotografias de sua filha?
- Sim vi apesar de não ter conseguido evitar as lágrimas., foi a resposta.
- Ainda bem, assim temos que aceitar que as fotografias não foram manipuladas!
- Sim são de Carolina sem dúvida, coração de Mãe não se engana!
- Estou muito cansado, muito cansado. Vou voltar para casa e amanhã espero que possa passar pelo meu escritório. Estarei mais desperto, prometo. Entretanto vá pensando como pensa pagar o resgate. É isso que pretende fazer, não é verdade? Eu deixo o papel só ficarei com uma das fotografias de Carolina, esta por exemplo.
- Maria Clara levantou-se dizendo:
- O senhor tem a certeza que está em condições de ficar só?
Porque não fica mais um pouco, tomamos uma bebida e se quiser a casa é sua pode ficar a descansar? Acredite não me incomodará, eu tomarei conta de si! Eu também preciso de companhia nesta hora tão difícil!
- António Pedro estremeceu, mas respondeu que não iria ser uma boa ideia. Amanhã falaremos. Boa noite.
Caminhou rapidamente para o carro e conduziu para Lisboa. Estava tenso, sentia vontade de abandonar tudo, esquecer. Na verdade não se sentia bem. Dentro de si chocavam a razão e a paixão e percebia que essa mistura poderia ser explosiva. Encostou o carro, por momentos pensou retornar mas resistiu. Pegou no telemóvel e discou o número programado para a tecla 1. Tocou um bocado e uma voz feminina respondeu:
- Assustaste-me António Pedro, o que se passa para ligares a esta hora? Estás doente?
-Filomena, desculpa mas estava a pensar se por um dia ou dois podia ficar na nossa casa. Sei que tu não vives lá e não te vais importar, pois não?
- Tens as chaves, podes ir e não te vou perguntar o motivo porque queres lá ficar. Mas atenção não é para levares nenhuma das tuas conquistas porque não aceitarei. Descansa bem, parece-me que precisas. Boa noite.
Parou no hall, acendeu as luzes, e sentiu um leve tremor. Tudo estava como se lembrava. Os móveis não tinham pós, sinal que eram limpos com frequência. Foi ao quarto, a cama estava feita, abriu o roupeiro, encontrou ainda arrumadas as suas roupas, a sua colecção de gravatas, os fatos nos cabides, sapatos no local do costume.
Parecia ser o regresso a casa do filho pródigo! A calma que agora sentia era o contraste da agitação com o encontro que deixara.
Já se tinha esquecido, saíra de casa num impulso, e nada levara.
Foi ao quarto de vestir, encontrou as roupas de Filomena, a sua interminável colecção de sapatos, casacos de inverno, tudo arrumado. Enfim, também ela nada quisera levar.
No quarto de banho, ainda os seus artigos de higiene, a colónia preferida, o creme de barba, toalhas com o A e o F bordados, roupão, etc. nada faltava.
Vestiu o roupão, deitou-se em cima da cama e adormeceu.
Acordou era já dia, o cansaço vencera, a cabeça estava limpa de preocupações. Olhou para o telemóvel, tinha uma chamada não atendida. Fora feita às 9 da manhã pelo Carlos. Ligou, arranjou uma desculpa por não ter ouvido e Carlos, exultante, quase gritou:
- Chefe o Edmundo reconheceu em duas fotografias o homem que o contratou. Posso passar aí para lhas mostrar?
- Claro meu amigo, eu não estou no escritório, pedes a chave da recepção, eu aviso, entra e espera por mim. Eu não demoro.


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