terça-feira, 26 de julho de 2011

O RAPTO

27 – A FORÇA DO AMOR

Chegou a Lisboa muito cansado mas teimosamente, não o queria reconhecer. Passou pela casa de Carlos. A Mãe, uma senhora de cabelo branco, reconheceu-o, o rosto abriu-se num sorriso.
Falando baixinho, confessou que o marido e o filho estavam a descansar. A mesma coisa que o senhor Doutor devia ir fazer, recomendou a Dona Elvira.
- E a menina, perguntou António?
- A menina quando chegou nos braços do meu marido parecia uma criança. Ia preparar-lhe um banho e dei-me conta que não era uma criança mas uma jovem. Ela não me largava e tomou o banho sempre a segurar a minha mão. Fez-me chorar, aquela jovem tinha uma grande necessidade de carinho e olhava para mim com um olhar que nunca na vida irei esquecer.
Consegui que dormisse um pouco mas, como se fora uma criança mimada, tive que me deitar a seu lado. Eu sei que foi mimo a mais mas não resisti. Dormiu um pouco, muito agitada, sempre agarrada a mim. Acordou e está a comer, venha vê-la, já parece outra.
António viu o rosto triste, que lhe tinha povoado o cérebro, desde que a Mãe o procurara. Uma lágrima rebelde humedeceu-lhe o olhar.
Carolina não se apercebeu da sua presença, estava perdida e olhava pela janela como se procurasse um caminho.
- Deixe-a ficar assim, recomendou António, provavelmente logo irei telefonar para que a levem ao meu escritório, para se encontrar com a mãe.
Estacionou o carro, no lugar reservado no parque e sem passar pela recepção subiu no elevador directamente para o seu gabinete.
Sentou-se na cadeira, rodou para a janela e fumou dois cigarros quase seguidos.
Ligou o gravador do telefone fixo e ouviu as mensagens, todas deixadas por Maria Clara. A cada uma a ansiedade na voz ia aumentando, a última era mais murmúrio de palavras confusas, no final António só percebera perdão e ajuda.
Da recepção recebeu uma chamada, atendeu.
- Doutor está aqui a Dr.ª Maria Clara acompanhada pelo Pai e pela Mãe. Aguardam há horas mas já é hora de saída e não sei o que fazer. Não o vi entrar e só liguei porque as pessoas insistiram e eu tive pena.
- Está bem, veja se uma das salas de reunião está livre e diga-me. Logo de seguida mande subir.
Poucos minutos depois foi avisado que as visitas iam subir para a sala 2 do sétimo piso.
António continuou sentado, lutava entre dizer o que lhe ia na alma ou anunciar simplesmente o desfecho da história. Entrou na sala de reuniões.
A cabeceira da mesa estava um homem seco, rígido, com o semblante fechado, olhos duros sem emoção; ao seu lado uma senhora de idade, tímida, cabeça baixa e olhos vermelhos, sustendo as lágrimas. Finalmente a Maria Clara, que já nada tinha a ver com a mulher que, tanto o havia seduzido. Parecia uma sombra de si. Mas olhava de frente, não como um desafio, antes espelhando angústia e dor.
António ocupou a outra cabeceira. Era uma mesa grande e larga, havia distância e não intimidade, tudo seria mais fácil. Com voz fria como o gelo, António perguntou a razão da visita.
Foi o cavalheiro que tomou a palavra falando, sem emoção:
- Eu sou o avô de Carolina. Quis estar presente porque decidi aceitar o pagamento do resgate da minha neta. O senhor irá conduzir as negociações e eu deixo um cheque em branco que poderá completar com o montante exigido. Aceite por favor.
- Qualquer coisa na frieza das palavras, a ausência de sentimento, a soberba enquanto assinava e lhe estendia o cheque, fez com que António decidisse que iria dizer tudo o que lhe ia na alma. Sentia que devia isso a ele mesmo e à jovem perdida num atalho doloroso da vida. Respondeu:
- Não me interessa quem o senhor é. Guarde o seu cheque junto do seu coração, se for coisa que ainda tem. Se não gostar do que eu vou dizer, pode abandonar a sala, não o considero peça importante neste caso. Aliás, deixe-me dizer que não gosto de si nem da maneira como falou. O senhor não tem sentimentos, nem agora nem quando recusou ouvir e ajudar a sua filha,todos sabemos que cometeu erros mas toda a gente merece ser ouvida. Também os não mostrou quando ignorou que os problemas da sua filha se poderiam repercutir na sua neta. Como sempre e agora mostrou só pensou no dinheiro. Agora pode ficar tranquilo, o seu dinheiro não serve para nada. Não responda, não quero ouvi-lo.
Depois virando-se para Maria Clara:
- Agora chegou a sua vez, quero contar-lhe uma história. Será uma história dura e triste, de vidas sem rumo, de mentiras e tragédia, de egoísmo e irresponsabilidade, afinal tudo o que se passou na sua vida recente. Deixo para si a tarefa de escolher o seu papel. Melhor que ninguém, saberá o lugar que lhe coube neste drama e redescobrir a natureza do amor.

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