domingo, 17 de julho de 2011

O RAPTO

20 – DESAFINADO

Pela primeira vez chegou cedo a casa. Estava muito cansado, cada vez mais dependente dos cigarros que fumava.
Pressentia que no meio da história que estava a seguir havia alguém a comandar cada momento, cada compasso, como um maestro a dirigir uma orquestra, na qual ele não era solista, apenas um figurante. A música não tinha fim, cada vez que se aproximava do clímax, parecia voltar ao início com outro tom e ele cansado deixava-se arrastar noutra direcção.
Dava voltas à imaginação para encontrar um caminho alternativo, mas percebera que os principais actores o haviam eleito para conseguirem os seus objectivos.
Já um antigo colega da Polícia lhe havia falado que Artur estava suspenso de funções à mais de dois meses e sujeito a um processo de inquérito, e ele admitia saber porquê; Já percebera que Maria Clara não representava o papel de uma mãe preocupada e inquieta. Mas Carolina, seria um simples joguete ou uma carta fora do baralho?
Quanto ao motivo não tinha dúvidas. Sempre aprendera que em casos cheios de contradições o ponto comum, seria sempre o dinheiro.
Esperava o amigo por volta das vinte e duas horas pelo que tentou dormir deitando-se no sofá. Não o conseguiu mas sempre descansara a cabeça. Já não sentia o zumbido que tanto o havia perturbado. Ainda era cedo mas decidiu colocar-se na janela que dava para a rua principal, com as luzes da sala apagadas e espreitando pelos cortinados o trânsito que passava. Queria ver chegar o amigo e, ao ver um carro de uma marca da gama alta, circular mais devagar enquanto o condutor ia olhando para a numeração, sem surpresa reconheceu o condutor e sentiu pena.
Ouviu tocar a campainha abriu a porta e recebeu a visita.
Artur aparentava estar mas agitado do que o habitual. Sentia que ele tudo fazia para esconder mas a calma forçada, era mais uma acalmia do mar antes da vaga destruidora.
Artur instalou-se no sofá, respirando fundo enquanto António prepara as bebidas.
- Como vês não me esqueci do que tu gostas, e trago para beber esta garrafa de whisky que encontrei na dispensa. Lembro que era o teu preferido, ainda não mudaste pois não?
- Tens razão, continua a ser a minha marca preferida. É cara o que é uma pena, mas é de primeira qualidade e a beber contigo sabe sempre melhor. Brindemos pois à amizade e aos velhos tempos!
- Artur nunca te cheguei a perguntar, sempre foste promovido ou alguém te passou?
- Já sabes como são as coisas, houve um gajo protegido por um Ministro qualquer, que ocupou o lugar de subdirector que me estava destinado. Mas vai-se vivendo.
- Eu perguntei porque te queria dar os parabéns, já que te vi a conduzir um carro topo de gama.
- Verdade, mas tomara que fosse meu. É dum amigo que não gosta de conduzir e por vezes eu posso desfrutar do prazer de utilizar um automóvel de classe.
- Artur é bom ter amigos porque às vezes damos um trambolhão e precisamos de alguém que nos ampare.
- Sim, é verdade, eu sofri com a separação da Irene e sinto muitas saudades dos meus filhos. Ainda por cima ela decidiu ir viver para o Minho e não me é fácil visitar e gozar da companhia dos miúdos. Mas sempre contei com a companhia dos amigos.
- Porém, arriscou António, alguém me segredou que os amigos que te rodeiam já não são os de antigamente e que não serão os mais aconselháveis. Desculpa-me mas mentiria se te escondesse o que me disseram!
- Estás a falar de boatos, não esperava isso de ti, mas já que me chamaste, vamos ao que interessa. O que se passa?
- Vamos falar sobre a Carolina. Corrige-me se eu estiver errado A rapariga desapareceu de casa da Mãe na segunda-feira passada, sem qualquer motivo que saibamos e na terça-feira a mãe esteve na PJ a apresentar queixa. Foste tu que tomaste nota da ocorrência e foi por tua sugestão que a Mãe me procurou?
- Confirmo foi assim!
-Artur, tu já conhecias a Dr.ª, Maria Clara dado que não é habitual ser um Inspector a tomar nota daqueles ocorrências... não é verdade?
- Não, não a conhecia de lado algum. Como não havia ninguém disponível no departamento, fui eu de facto, que fui receber a queixa. Depois transmiti o dossier a quem de direito e agora vou perguntando, ocasionalmente se há algum progresso na investigação. Por exemplo, nesta altura nem sei como está a andar o inquérito, pois tenho estado destacado noutras tarefas e nem tempo tenho tido para me informar. Mas tu também sabes que sobre a investigação não vou falar.
– Já agora, descobri durante a minha busca de Carolina, que há cerca de um ano foram mortos e atirados ao rio, presos com blocos de cimento nos pés, dois seguranças dum determinado estabelecimento de diversão, por suspeitas de serem informadores da Polícia. Sabes alguma coisa ou também não podes dizer?
- Ouvi falar. Penso que a investigação bloqueou por falta de testemunhas.
– Artur o que te vou dizer é grave. Eu sei quem cometeu os crimes e tenho uma testemunha presencial, disposta a depor em Tribunal!
- Nesse caso dá-me a informação que servirá para reabrir o processo.
- Não posso, lamento. A testemunha garante que o crime foi cometido, como aviso a um polícia que estava a exigir demais. Já me conheces, eu tenho a testemunha sob a minha protecção e não a vou expor enquanto tiver dúvidas sobre o envolvimento de alguém da corporação. A testemunha só testemunhará em juízo, quando eu sentir que o risco desapareceu! Mas para mim este processo é marginal, eu só estou interessado em encontrar a rapariga. Mas estou plenamente convencido, que o rapto foi executado, por pessoa ou pessoas ligadas ao mundo do crime, por razões que irei descobrir. Dou-te estas informações e não te peço nada em troca que não seja a verdade. Podes aceitar?
- Cheira-me a chantagem e não gosto da tua insinuação. António vê lá onde andas a mexer. Tem cuidado! Podes queimar as mãos...
- Eu não estou preocupado meu amigo e como prova aqui tens um sobrescrito contendo fotografias recentes dos suspeitos. Este assunto deixo-o nas tuas mãos, vai dar-te prestígio.
Artur levantou-se, bebeu o último gole, poisou o copo e replicou:
- De amigo para amigo. Cuida-te, toma precauções, pois podes estar a lidar com gente muito perigosa e a esta hora, já deves estar marcado. Se fosse a ti mudava de casa por uns tempos. Saiu batendo com a porta.
Ainda não passara meia hora depois da saída intempestiva de Artur, quando o telefone tocou. Do outro lado Maria Clara, com voz agitada pediu ajuda:
- Doutor, encontrei debaixo da porta um envelope com algumas fotos da Carolina e uma nota manuscrita com ameaças e o pedido do resgate. Ajude-me, o que hei-de fazer?
- Acalme-se, dentro de meia hora estarei em sua casa.
Saiu, pegou no carro e seguiu para Cascais. Entretanto na rádio transmitiam o disco com o Bolero de Ravel. Era, reconhecia, a música apropriada.

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