segunda-feira, 25 de julho de 2011

O RAPTO

26 - RECOMEÇAR

António Pedro esteve no carro a pensar na estratégia mais adequada para o assalto ao iate Mar Belo.
Imaginou duas ou três situações mas esbarrava sempre com o desconhecimento do que poderia encontrar no barco. O assalto era um acto ilegal, ele não tinha autoridade para violar propriedade particular. Teria sempre que assumir riscos e o de cometer um crime e ser processado não era de excluir.
Mas tinha que admitir que Carlos, cuja sagacidade já pudera comprovar, fizera a identificação correcta do guarda do iate. Assim considerava como muito provável que o Artur Mateus e a jovem, retirados à força do apartamento, tivessem sido transportados para aquele lugar.
Acreditava que o sequestro de Carolina não fora previsto. Fora um imprevisto, estava no local errado, à hora errada, vira os seguranças que capturaram Artur, o verdadeiro alvo a abater, e isso era um risco que eles não poderiam correr, pelo que a levaram também.
Desde que começara a ligar factos e a ouvir versões, suspeitava que o rapto de Carolina tivesse sido simulado para arrancaram dinheiro ao Avô. E Maria Clara teria sido cúmplice. Teve quase a certeza quando viu o pedido de resgate e as fotos de Carolina. Artur ou Maria Clara tinham cometido um erro, para além do ar sorridente da jovem na fotografia, ele reconhecera uma parte de um quadro que já anteriormente vira em casa de Artur.
Ele conhecia bem o amigo. Polícia muito inteligente e capaz, sempre fora tentado pelo luxo e era um jogador compulsivo. Pressionado por dívidas de jogo, deixara-se corromper, dando cobertura ao grupo de traficantes. Correra um risco, provavelmente exigira de mais e ameaçara. Pagaria por isso o preço que, habitualmente, era a morte.
Tudo isto lhe parecia agora tão evidente que se recriminava como demorara tanto tempo a aceitar. Começara por desconfiar que a história de Maria Clara era uma cadeia de mentiras, mas deixara-se encandear pelos olhos duma mulher bela e insinuante.
Não havia volta a dar. Tinha de assaltar o barco. Não podia protelar, ou era agora ou poderia não ter outra oportunidade.
Telefonou aos companheiros e na calma da esplanada frente ao molhe, distribuiu as tarefas.
- Ele entraria na marina carregando um saco de super mercado. De rompante neutralizaria o guarda e sob a ameaça da pistola que levava no cinto, fá-lo-ia entrar dentro da cabine.
Afonso e Carlos deviam seguir alguns metros atrás, carregando o saco com as compras que tinham feito e entrariam na cabina, fechando a porta.
António olhou em redor e escolheu o momento para a acção. Acenou aos companheiros, disse é agora, e entrou na marina. Na proa do barco não teve dificuldade em surpreender o segurança e o empurrar com violência para dentro da cabine. Afonso e Carlos entraram logo de seguida. Aparentemente ninguém dera por nada e na cabine não viram movimentos suspeitos.
O segurança, deitado no chão com as mãos atrás das contas, sentindo o frio do aço da pistola encostada à cabeça e não ofereceu resistência enquanto Afonso e Carlos o amarravam com uma corda de nylon e o amordaçavam com a fita adesiva.
Fizeram um bom trabalho. A corda que o amarrava ligava o pescoço às pernas dobradas. Qualquer movimento brusco significava o seu estrangulamento.
Depois acenderam a luz e verificavam que num beliche, estava uma jovem amordaçada e amarrada. Apesar do terror espelhado no olhar, António reconheceu Carolina.
Foi Afonso, com a confiança que os seus cabelos brancos inspiravam, quem libertou a jovem e a aconchegou ao peito, acariciando a cabeça enquanto sussurrava ao ouvido, palavras de conforto.
Carlos foi buscar o carro, parou junto da porta da marina, o Pai entrou com a Jovem protegida com um cobertor e arrancaram para Lisboa.
António, permaneceu no barco e foi espreitar os recantos. Havia mais um beliche vazio. Desceu à casa das máquinas, num canto, dissimulado por debaixo das escadas, deparou com um fardo de plástico preto, amarrado com cordas de nylon.
Quis pegar nele, não conseguiu. Era, tinha a certeza, um corpo humano e imaginava de quem. Rasgou o saco no local da cabeça e o rosto de Artur Mateus ali estava, ensanguentado e desfigurado pela tortura a que fora sujeito.
O corpo estava preparado para ser lançado ao mar, com os pesos de cimento atados aos pés. O guarda devia estar à espera de instruções.
Ficou uns minutos, longos e doridos.
Voltou a tapar o rosto do cadáver, inutilizou o rádio do barco e desligou dois telemóveis que encontrou. O barco ficava sem comunicações e olhando para o preso que respirava mas não se mexia, ficou mais tranquilo. Fechou a porta e deitou fora a chave.
Agora era tempo de contar à Polícia. Ligou para o Inspector Pedro Lucena:
- Pedro falo de Vilamoura no Algarve. Manda vigiar um barco ancorado na marina. Chama-se MAR BELO e pertence a um grupo de narcotraficantes. Prepara-te, lá dentro está um segurança agora inactivo, mas também o corpo morto do Artur.
Acho que o guarda esperava a chegada dos companheiros. Boa sorte. Por favor esquece que eu liguei.
Caminhou pesadamente para o carro. Conduziu de vidro aberto para que o ar limpasse o cheiro a morte que sentia colado ao corpo.
Tinha chegado ao fim. O resto era como fechar a porta de um quarto escuro.
O tempo que levara a relembrar tudo o que acontecera, não lhe tinha arrefecido a raiva acumulada. Não, teria de a libertar, ainda que a verdade fizesse sofrer.
Mas só assim valeria a pena, recomeçar a viver.

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