sábado, 2 de julho de 2011

O RAPTO

7 – O DESAFIO

Apanhou um táxi, deu-lhe o endereço e recostou-se no banco. Àquela hora a viajem foi curta e depressa parou à porta de casa.
Entrou num apartamento desconfortável, e mais uma vez se esquecera de jantar. Procurou na dispensa, encontrou o saco das compras meio aberto, retirou um pacote de bolachas, um boião de compota e uma caixa de embalagens de chá.
Não tendo mais nada, iria ser aquela a sua frugal refeição. Sentou-se num sofá, cerrou os olhos mas via imagens que o perturbavam. Uma jovem sem rosto, uma mulher insinuante e um homem que sorria.
Estava cansado, a solidão soava como um estrondo na sua cabeça. Reconhecia que ainda não estava pronto para embarcar numa aventura que receava, não iria ser uma coisa simples. Como se arrependia de ter aceite.
O telefone tocou, olhou no mostrador e reconheceu o número que chamava. Ouviu o amigo Artur dizer com ironia:
- Olá seu preguiçoso, isso são horas de um homem sozinho estar em casa e aposto que de pantufas? Não devias andar na conquista?
- Sabes Artur, nunca pensei que uma vida sem obrigações fosse tão difícil de suportar. Estou cansado e nem me apetece sair de casa nem ao menos para tomar um copo.
- Sim eu compreendo e porque nos conhecemos bem sei que uns olhos de mulher te podem devolver o prazer de viver. Principalmente os olhos de uma certa mulher que hoje te visitou. Não tenho razão?
Como sabes fui eu que aconselhei a Dr.ª. Maria Clara e tenho a certeza que ela mexeu contigo. Não tenhas medo de confessar, afinal és um homem livre, ou quase, não é verdade? Ao mesmo tempo, a investigação sobre o desaparecimento da rapariga, vai dar-te um pouco de trabalho e é disso que tu estás a precisar.
- Então o que é que tu me queres dizer, perguntou António?
- Falando a sério, respondeu Artur, o desaparecimento da Carolina Meneses não me parece um caso normal. Raptada por dinheiro não me parece, porque ainda não houve qualquer pedido de resgate. Levada para as redes de prostituição conhecidas, não creio. Redes de pedofilia também não, pois ela já é crescida para o gosto desses predadores. Todavia, já alertei a Interpol.
Além do mais a rapariga tinha uma vida muito certinha, boa aluna, os amigos nada notaram de estranho no seu comportamento, não tinha namorados e também não era frequentadora das redes sociais, segundo a Mãe declarou quando apresentou queixa.
De facto a Carolina não se enquadra no tipo comum das pessoas que desaparecem e foi isso que me intrigou e me deu a ideia de que tu poderias seguir o caso, talvez explorando outros caminhos. Eu disse-o à Mãe e garanti-lhe que o assunto seria tratado com todo cuidado mas longe dos holofotes da Imprensa.
- Sim eu percebo a tua posição, responde António, embora haja qualquer coisa que ainda não percebi bem. Mas voltaremos a falar. Para já a minha cabeça estala e ainda nem sequer comecei a pensar a sério do assunto.
- Mas é dum desafio que tu estás a precisar, respondeu o amigo. Pois, se nada fizeres, ainda acabas a ver e a seguir as telenovelas ou a comentar na TV, os crimes mais mediáticos, dizendo as banalidades do costume. Dorme bem e olha que eu gostarei de conhecer o desenvolvimento da tua investigação. Pela minha parte podes contar com a ajuda possível, dentro das regras é claro. Mas, toma nota, os contactos com a PJ serão só comigo.
- Ok, fica combinado. Um abraço, adeus terminou António, já cansado de ouvir a conversa do amigo.
Arrumou a loiça do jantar ligeiro, acendeu um cigarro e foi para a varanda fumar. Olhava as luzes da noite na cidade, conseguia vislumbrar a cúpula iluminada da Basílica da Estrela, mais ao longe um pedaço da outra margem. Algures havia vida, havia tragédia, havia amor e também uma rapariga desaparecida. E no meio uma mulher interessante e misteriosa e um amigo que sorria.

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