terça-feira, 4 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO












VIOLINO
ADAGIO

Era sábado, entardecer num dia de fim de verão de 2007. Ainda fazia algum calor mas o Outono já estava a bater à porta.
Na casa que habitava nos arredores de Lisboa, Ricardo, tinha um pequeno jardim e um recanto junto da garagem, que mandara arranjar, impermeabilizar e forrar em madeira, para dele fazer o seu estúdio musical. Era ali que costumava passar algumas horas durante os fins de semana, tocando violino. Reconhecia que não era um grande executante, tinha alguma escola, mas durante muito tempo não teve tempo ou paciência para se dedicar ao treino. Conseguia ainda assim arrancar daquele instrumento que adorava, sons que lhe enchiam a alma.
Era viúvo há cinco anos, e tinha prometido à mulher que nunca deixaria de tocar porque a música subiria até ela ouvir. Tinha, todavia, um ouvinte atento. Era capaz de passar horas sentado a olhar para ele quase sem se mexer, o que para um cão não é tarefa fácil.
O cão que recolhera na rua, pobre rafeiro escanzelado e abandonado, tinha-se tornado no amigo fiel e companheiro e parecia gostar dons sons que ouvia. E por isso o dono lhe pusera o nome de Paganini.
Naquele dia, ia começar o que chamava o período da tranquilidade, introspecção, memória e naturalmente música. Para o primeiro dia, Ricardo, escolhera uma partitura do concerto para violino e orquestra n.1 de Mozart, e concentrou-se nos primeiros andamentos. Não gostou, voltou atrás e tentou de novo com mais ternura nas mãos. E o som, melhorou. Olhou para o cão e riu-se porque lhe pareceu que o animal estava de acordo com ele.
Não percebia a razão porque muitos dos seus amigos se sentiam deprimidos com as primeiras chuvas e com o vento que se encarregava de atapetar com folhas os jardins e as ruas e alamedas. Porque ele gostava particularmente daquele período do ano. Era o período em que acabavam as correrias pela casa, as idas a praia, os gritos dos netos, as discussões, etc. e em que tudo voltava à normalidade. O mês de Agosto era para ele um mês para esquecer.
Na realidade gostava de receber a visita da filha, que vivia e trabalhava na Suíça. De seu nome, Leonor como a mãe, mas tão diferente, tão diferente. O que a Mãe tinha de doce tinha ela de frívola e distante. Vinha primeiro com os três filhos, um rapaz de 9 anos, Pedro, cheio de borbulhas e viciado em computadores, Luís de 7 anos, cuja principal actividade era andar aos gritos e à bulha com o irmão, e uma rapariga de 3 anos, Margarida, que era da família a única pessoa que gostava de estar com o Avô. Era ela que lhe fazia companhia quando saía a passear o cão, era ele que a ia deitar e contar histórias para adormecer. O Avô dava-lhe carinho e ela retribuía com um sorriso que lhe iluminava o coração. Para ele estar com a neta, era como atenuar a dor que havia sofrido. E como a Avo iria gostar daquela criança que não conhecera!
O genro era alemão, professor de física. Parecia e agia como um extra terrestre. Decididamente, as férias para ele em casa do sogro eram um sacrifício. Não tinham nada em comum, pelo que as conversas entre ambos eram apenas de circunstância. Por isso arranjava sempre maneira de vir apenas na última semana. E a parva da filha acreditava nas desculpas do Werner, mesmo quando saltava à vista, que não eram verdade. Isso incomodava-o, e por mais de uma vez esteve tentado a contradizer o genro, mas lembrou-se que chegara por mais de uma vez a comentar com a mulher aquela situação e esta, mesmo doente, sempre lhe recomendara para não se intrometer.
Ele prometera, mas que lhe custava, lá isso custava.
Mas agora, que eles tinham partido, tinha o trabalho de, com a ajuda da mulher a dias, que trabalhava lá em casa, nem se lembrava há algum tempo,limpar e arrumar a casa, porque ficava tudo de pernas para o ar. Só depois abria o armário, fechado à chave que guardava no bolso, onde escondia a mala do violino e as partituras. Assim os mantinha a salvo daquela horda de bárbaros, que eram os dois netos.

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