segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

QUANDO MORREM OS SONHOS

2 –
Concentrado na decisão que idealizara, parecia ver o mundo com outras cores. Um leve sorriso surpreendeu até os colegas de trabalho, designadamente os mais próximos. Em surdina, comentavam de uns para outros, que ou ele teria ganho a lotaria ou haveria mulher a dar-lhe a volta à cabeça.
Alberto apercebia-se dos murmúrios e ficava feliz. Ter uma aventura amorosa era o tónico que ele precisava, era o renascia das histórias que esquecera.
Mas não sabia como dizer à mulher. Sem mais sem menos não faria sentido e aproveitando uma discussão, podia ser, mas isso era coisa que nem ele se lembrava, de alguma vez ter acontecido.
A melhor seria inventar uma semana de serviço longe do País e daí escrever-lhe uma carta a dizer que o amor morrera, que ele iria procurar outro caminho.
Começou a escrever no portátil, o rascunho da carta. A coisa não estava a sair bem, o texto não lhe agradava, porque ou era de um lamechice pegada ou era tão formal que mais uma carta de negócios. Nunca pensara que escrever uma carta de justificação e despedida, com um texto que traduzisse a angústia e a esperança que lhe iam na alma, lhe fosse tão difícil.
Não conseguira, perdera o jeito de escrever. As frases que agora lhe vinham à memória eram vazias, não tinham vida, eram simples palavras acantonadas num texto mal construído e totalmente desligadas da realidade. Não era assim que ele imaginara uma carta de despedida. Reconhecia que ia ter de reler os seus escritores de culto e os poetas que me encheram a alma, pois talvez voltasse a sentir a emoção e a paixão de uma carta, de amor ou de desamor.
Todos os textos que havia tentado escrever, alguns cheios de algumas palavras frias como o gelo, outros com uma simples declaração “ fim do caminho, já não te amo mais”, ou alguns ensaios para uma carta que fosse a fotografia do passado, com tantos momentos que lhe encheram a vida mas que, num dado tempo, lhe mostraram que tinha renunciado aos sonhos, tudo gravou na memória da máquina, numa pasta a que chamou, adeus.
Relia os textos, eliminava as frases banais e quanto a inspiração ajudou, justificava os seus anseios, o receio que o tempo se esgotasse e ele deixasse fugir os sonhos por viver.
Gostava desta confissão. Não havia recriminações, ele era que assumia a culpa e pedia perdão.
Todavia, tinha dificuldade em encenar a deslocação e o envio da carta. Quanto mais pensava, mais sentia a sensação da fuga dos cobardes.
Na realidade, deu-se conta de que o Alberto que queria partir, que queria fugir porque lhe faltava o ar para respirar, aquele que sonhara sonhos impossíveis, eram uma miragem da adolescência, era o D. Quixote à procura da sua Dulcineia, porque a vida não era governada por sonhos, por oníricos que eles sejam. A vida é dar e partilhar e ele teria recebido, talvez mais do que dera.
O tempo ia passando e Alberto não conseguia o impulso que lhe fugia. O conflito entre o sonho e a realidade, tinha bloqueado a decisão.
Mas o destino encarregou-se de lhe indicar o caminho.
Enquanto conduzia de regresso a casa, relendo, repetindo, mentalmente há exaustão o que havia escrito e pensado, olhando o mar em busca de coragem para partir, cometeu uma distracção e chocou com violência no carro que circulava à frente e que estava parado no semáforo. Acordou na ambulância, deixou fugir uma lágrima, chorando pelos outros mas, principalmente, chorando por ele próprio e pelos seus moinhos de vento.

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