segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO







VIOLINO

LARGO

Ricardo regressou a casa depois de ter percorrido ruas e ruas da cidade. Não tinha dado muita atenção às pessoas com que se cruzara, mas um pormenor ficou-lhe retido na memória. Vira muita gente solitária, sentadas em bancos de jardim, como se aguardassem o passar do tempo e o esgotar da vida.
Tinha acabado um trabalho que lhe dera muitas alegrias, mas no final, uma sensação de tempo perdido, pelo que decidira passar uma esponja pelo passado.
Mas receava o futuro. Recordava a solidão que vira espelhada nos olhos tristes de tanta gente e um calafrio percorreu-lhe o corpo.
Entrou em casa e sentiu-se mais só. Tinha o fiel companheiro, que sentido a tristeza do dono, encostou a cabeça pedindo uma festa, como a dizer, não te esqueças de mim.
Ricardo entrou directamente para o seu refúgio musical, abriu o estojo do violino mas não lhe apetecia tocar. De repente, sentiu o desejo de percorrer a casa, olhar para as recordações perdidas, mas sabia que a mulher-a-dias não gostava de ser distraída, quando fazia o seu trabalho.
Mas foi a D. Rosa que apercebendo-se que Ricardo já tinha chegado o foi procurar ao refúgio, perguntando com preocupação:
- Então Doutor Ricardo hoje veio mais cedo? Mas não está doente pois não?
- Não D. Rosa, está tudo bem, mas hoje senti a falta da família. Afinal de família, só a tenho a si, é assim que a considero, e ao cão. A filhas e os netos estão longe e têm a sua vida para viver.
- Oh Doutor, não diga essas coisas que me fazem triste. Lembras de eu lhe ter tantas vezes falado que o senhor precisa de companhia? Olhe, digo mais; já a saudosa senhora Dona Leonor, quando estava muito doente, me pediu para não o abandonar quando ela partisse e de o ir lembrando, que devia reconstruir a sua vida. E é isso que tem de fazer.
Ai que me ia esquecendo; Tenho um recado para lhe dar.
No sábado, recebi uma chamada feita pelo seu número, e até me assustei, mas era uma voz de uma menina que queria o seu endereço, porque a Mãe teria ficado com o seu telemóvel e não sabia como o devolver. Como encontraram o meu nome da lista de contactos que o Doutor mantinha, vinham procurar ajuda. Eu dei a morada, mas disse-lhe que o Doutor só estaria na segunda-feira à noite.
- Fez bem D. Rosa, eu ajudei de facto, uma senhora em dificuldades no dia do temporal e emprestei o meu telefone. Ainda nem tinha dado pela sua falta.
Então já sabe que hoje vai ter visitas. Ainda bem que fiz biscoitos e no forno deixo o assado que vai dar para mais pessoas. Sim porque as visitas podem aceitar um convite para um chá se for ainda hora ou para jantar, o que é mais provável. Pensando melhor, vou deixar a mesa preparada para três ou quatro pessoas, não vá o senhor, distraído, utilizar a loiça do dia a dia.
Ricardo encolheu os ombros, não valia a penar contrariar a senhora.
Mas, embora não quisesse reconhecer, ficaria feliz por voltar a encontrar a mulher, que conhecera tão desesperada.
Ele tinha-a ajudado num momento difícil, mas apenas numa noite tempestuosa. Ela iria agora encontrar, não o homem seguro de si que conhecera, mas alguém indeciso e só, perdido na encruzilhada da vida.
Que estranhas voltas o mundo dá. Que surpresas nos reserva o destino.
Voltou ao estúdio, ouviu de novo a recomendação da D. Rosa antes de sair, pegou do violino e os sons voltaram a dar-lhe, alegria e conforto.
E, com a magia da música de Beethoven, voltou a esperança.

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