quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO

VIOLINO - VIOLONCELO

ALLEGRO MAESTOSO

Ricardo estava distraído a saborear a música do DVD que colocara a tocar, não ouviu a campainha mas viu que o cão espevitou as orelhas e saiu a correr para a porta do jardim.
Fez pausa no leitor e ia a caminho do jardim quando o som da campainha ficou audível.
Junto da porta, fazendo festas ao Paganini que todo se derretia, estavam duas jovens que não conhecia. Abriu a porta e, agora sim, reconheceu Sofia. Ficou embaraçado mas não desviou o olhar.
Sofia com a voz algo trémula, e com um cumprimento de circunstância, disse estarem ali para entregar o telemóvel.
Ricardo acordou num breve instante de letargia, assumiu o controlo da situação e com um sorriso grande, como já não lhe lembrava, pediu às visitas para entrarem, subiu os degraus e abriu a porta da casa. Sofia deixe que a trate a assim, dê-me o prazer de a convidar para a minha casa, onde é muito bem-vinda. E às meninas agradeço a luz que trazem a esta casa.
Após o vestíbulo entraram no salão. Ricardo convidou Sofia a sentar-se num sofá no espaço mais acolhedor da sala, escolhendo para sim o maple em frente. Catarina e Carolina tinham desaparecido.
Sofia reparou numa pequena mesa, com um balde de gelo, uma garrafa e dois copos de cristal. Sorriu e desfiando Ricardo, comentou: - Meu amigo, para quem ficou tão surpreso com a nossa visita, não se esqueceu duma bebida, que se me oferecer, eu irei aceitar.
Ofereço com todo o gosto mas, acredite, eu sabia que viria e desconfiava que a minha empregada teria preparado qualquer coisa, mas o quê não me pergunte pois não sei.
Mas, agora que somos amigos, diz Sofia enquanto bebe, talvez devêssemos, sei lá, falar um pouco de nós. Ou acha que estou a ser indiscreta?
Olhe Sofia, ainda há dias me lamentava com a D. Rosa, que é mais amiga do que empregada, a falta de família. Sou viúvo, vai fazer cinco anos, tenho uma filha que foi estudar para a Suíça aos dezassete anos e lá vive com três filhos e o marido.
Só me visita no mês de Agosto, gosto naturalmente de a ver e aos netos, mas a sua vinda complica o meu dia a dia. O meu genro, um alemão pouco conversador só vem por uma semana, o que me dá um grande alívio.
Assim como família próxima, só a D. Rosa e o cão.
A Sofia não precisa de me falar de si, porque basta olhar para a ternura e cumplicidade das suas filhas para se sentir feliz. Ou …
Ou o quê pergunta Sofia?
Sei lá, nem me atrevo a dizer, mas talvez tenha os seus momentos de solidão, responde Ricardo e pela primeira vez, num gesto simultâneo, desviaram o olhar.
Para aqui os dois a conversarmos e onde é estarão as minhas filhas?
Sofia chamou por Carolina que com a irmã ao lado apareceram vindas do outro lado da sala, protegida com um biombo.
Oh Mãe, o jantar é cá, não é verdade? Oh Catarina que ideia. Temos de ir para casa.
Mãe, diz fechando o biombo, a mesa já está posta e a D. Rosa está só a acabar.
Parece que alguém já decidiu por nós, diz Ricardo e eu estou muito feliz que o tenham feito. Fica não é verdade?
Entretanto, enquanto não nos chamam para a mesa venha comigo, quero mostrar-lhe o meu refúgio.
E pegando na mão de Sofia, com entusiasmo e orgulho, mostrou a sala de música, com um piano, o seu inseparável violino, as mesas com as partituras, a aparelhagem de som, etc.
Sofia olha tudo e murmura com uma lágrima a bailar-lhe no olhar: Vá lá alguém entender os desígnios do futuro.
Ricardo, lhe eu lhe dizer que sou violoncelista da Orquestra Gulbenkian, você acredita?
É difícil não é? E aqui estou, partilhando o seu segredo e dando graças à tempestade, que numa certa noite, nos aproximou.




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