segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

UM HOMEM DE RESPEITO






2 – TEIMOSIA

Por mais que evitasse pensar no comentário da D. Albertina, e fazendo justiça à coscuvilhice habitual, de quem passa os dias olhando a vidas e os hábitos dos outros, a senhora Felicidade passou a espiar todos os movimentos do novo inquilino.
Levanta-se cedo e logo que o marido ia para o trabalho, ficava de sobreaviso, limpando o pó, tratando das flores da entrada, sacudindo os tapetes, etc, tudo para que não lhe escapasse nada.
Via sair as pessoas que já conhecia e entre as oito e as nove horas os elevadores não paravam. Depois o movimento era reduzido.
Mas não vira o cavalheiro que tão boa impressão lhe causara.
Já estava atrasada para o habitual café da manhã com as amigas, demorou um pouco mais e, quando ia a fechar a porta, ouviu o barulho do elevador 2. Esperou até que a porta do ascensor se abrisse. O cavalheiro, sim não tinha dúvida de que se tratava de um cavalheiro, cumprimentou, sorrindo, com os bons dias minha senhora.
Ficou feliz e foi logo contar às amigas. Eu nunca me engano, dizia, conheço todos os inquilinos do meu prédio, algum são simpáticos mas nenhum como esse senhor.
Pouco se interessava por não ver família. Sabia que ele só descia depois das dez horas e, na verdade, nunca o vira entrar, mas também nunca vira movimentos de gente estranha no prédio. Ele lá terá a sua vida, mas anda sempre muito bem vestido.
Á noite, ao jantar, contou ao marido:
- Sabes Gonçalo, finalmente o oitavo andar foi ocupado e por um inquilino novo, muito simpático.
O marido não prestou grande atenção, comentando que o senhorio devia estar a esfregar as mãos de contente, por terem enganado mais um parvo. Quando vier a chuva e lhe entrar água pelo telhado é que ele vai o erro que cometeu.
Mas tu sabes, que eu sou capaz de avisar o senhor desse risco, para que ele exija as reparações agora no verão, sentenciou a D. Felicidade.
- Isso, vai-te meter onde ninguém te chamou, o senhorio acaba por vir a saber e depois quem sofre fomos nós. Vais mas é ficar calada. E já agora, como é que se chama o novo inquilino?
Isso não sei, respondeu a mulher, mas já arrependida por ter falado.
Não sabes? E então porque carga de água é que andes a mexer no assunto? É mesmo conversa de vizinhas. Não quero ouvir falar desse assunto, percebeste?
D. Felicidade calou-se, mas ficou determinada a provar que a sua intuição estava certa.

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